Brasao da República
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 16ª REGIÃO

CONSULTA JURISPRUDENCIAL - INTEIRO TEOR



NUMERO ÚNICO: 01246-2006-002-16-00-8-RO
DES(A). RELATOR(A): LUIZ COSMO DA SILVA JÚNIOR
DES(A). PROLATOR(A) DO ACÓRDÃO: LUIZ COSMO DA SILVA JÚNIOR
DATA DE JULGAMENTO: 04/04/2011    -    DATA DE PUBLICAÇÃO: 08/04/2011

E M E NT A DANO MORAL COLETIVO. EXISTÊNCIA. O dano coletivo, assim como o assédio moral, sempre esteve presente nas relações sócio-econômicas. Contudo passou a ter relevo jurídico com a nova concepção que se tem da chamada eficácia dos direitos fundamentais, que, hoje, deve ser observada em todos os aspectos, seja nas relações de trabalho, nas relações econômicas, seja nas demais relações sociais. MULTA DO ART. 475-J DO CPC. PROCESSO DO TRABALHO. APLICAÇÃO. A multa prevista no art. 475-J do CPC, com redação dada pela Lei n. 11.232/05, aplica-se ao Processo do Trabalho, pois a execução trabalhista é omissa quanto a multas e a compatibilidade de sua inserção é plena, atuando como mecanismo compensador de atualização do débito alimentar. Recurso conhecido e desprovido.


R E L A T Ó R I O Trata-se de Recurso Ordinário interposto por Edyce do Brasil S.A. em face da sentença proferida pela 2ª Vara do Trabalho de São Luís/MA, em autos de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho.

Às fls. 294/297, decisão de primeiro grau que julgou procedentes em parte os pedidos do autor, condenando a parte ré nas obrigações de não-fazer: abster-se de contratar trabalhadores sem a anotação da CTPS e sem o respectivo registro em ficha, livro ou sistema eletrônico; a recolher. integralmente e dentro do prazo legal, FGTS e INSS de seus empregados; a realizar exames médicos (admissional, periódico e demissional); a elaborar e implementar PCMSO e PPRA; a manter e a apresentar à fiscalização, sempre que solicitado, a documentação relativa aos contratos de empregos, conforme previsão do art. 630, §§ 3º e 4º, da CLT e a somente admitir trabalhadores estrangeiros após prévia autorização do Ministério do Trabalho e Emprego, sob pena de multa de R$10.000,00 por empregado prejudicado, reversível ao FAT. Condenou-a, ainda, na obrigação de pagar, no prazo de 15 dias, sob pena da multa de 10%, prevista no art. 475-J do CPC, o valor de R$100.000,00 a título de dano moral coletivo a ser revertido ao FAT.

Às fls. 325/346, recurso ordinário da reclamada, dizendo não existir dano moral coletivo a ser reparado, porque as normas atinentes à admissão de estrangeiros no país dizem respeito a interesse social e, não, a interesse público e que, no presente caso, não há prova do dano, mesmo porque somente os entes personalizados seriam passíveis de reparação civil ou dano moral. Contesta, ainda, o valor da indenização e refuta a aplicabilidade do art. 475-J da CLT.

Contrarrazões às fls. 371/405.

É, em síntese, o relatório.


V O T O ADMISSIBILIDADE

Recurso regular. Pelo conhecimento

Afirma a recorrente não existir, in casu, dano moral coletivo a ser remediado, porque somente os entes personalizados seriam passíveis de reparação civil ou dano moral.

Sem razão.

A partir da concepção individual do dano moral trabalhista, criou-se a hipótese de aplicá-la no campo dos interesses coletivos. Assim, se o dano moral pode atingir alguém individualmente, certamente poderá incidir sobre um grupo determinável de pessoas.Tal possibilidade de ocorrência se justifica na própria Constituição Federal (art. 5º) e porque a proteção da dignidade da pessoa humana adquire caráter publicista, ou seja, interessa à sociedade como um todo. Além do mais, é justo que o Direito admita a reparação decorrente dos interesses coletivos, pois a sociedade é diretamente atingida, consistindo o dano na soma de ofensas aos direitos individuais.

Essa modalidade de dano, assim como o assédio moral, sempre esteve presente nas relações sócio-econômicas, contudo passou a ter relevo jurídico com a nova concepção que se tem da chamada eficácia dos direitos fundamentais, que, hoje, deve ser observada em todos os aspectos, seja nas relações de trabalho, econômicas, seja na demais relações sociais.

Na seara trabalhista, é visto sob o ângulo da integridade social dos direitos laborais, que têm dimensão coletiva, pois ultrapassam o interesse individual do trabalhador, ocasionando um dano à sociedade. É praticado pelo empregador que, costumeiramente, lesa os direitos dos trabalhadores, agredindo a própria coletividade, que, também, sofre os reflexos da prática ilegal, pois o constante descumprimento da ordem jurídica trabalhista acaba atingindo uma grande quantidade de pessoas, disso se valendo para obter vantagem na concorrência econômica com outros empregadores. Isto implica, portanto, dano àqueles que cumprem a legislação trabalhista e acabam por precarizar as relações sociais, que se baseiam na lógica do capitalismo de produção. Essa prática traduz-se em dumping social, que prejudica toda a sociedade.

Sensível a essa realidade aviltante, os juristas presentes à I jornada de Direito Material e Processual do Trabalho firmaram o enunciado nº 04, visando coibir a prática desse ilícito, cuja redação, cumpre repisar:EMENTA 4. "DUMPING SOCIAL". DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido "dumping social", motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652, "d", e 832, § 1º, da CLT.

A ementa referida reflete, com muita precisão, os males que os maus empregadores vêm causando à sociedade, consubstanciados na intenção deliberada de inadimplência dos direitos trabalhistas.

Como é de sabença geral, nossos tribunais obreiros estão abarrotados de reclamações trabalhistas, quase todas julgadas procedentes, sendo comuns os pedidos de salários em atraso; pagamento de salários "por fora"; trabalho em horas extras de forma habitual; não recolhimento de FGTS; não pagamento das verbas rescisórias, em total ofensa aos direitos fundamentais e sociais protegidos, atingindo o fundamento basilar da nossa Carta Magna, qual seja, o princípio da dignidade da pessoa humana.

A inadimplência injustificada e deliberada dos exploradores da mão-de-obra humana revela nítida a intenção do empregador de não pagar os direitos trabalhistas no tempo certo, disso se valendo para investir o capital em seus negócios, gerando maior lucratividade, em detrimento do sustento do trabalhador. E com isso não se preocupa, porque sabe que, mais tarde, quando for acionado na Justiça, além da possibilidade de pagar com índices de juros e correção monetária bem inferiores aos do mercado, tem a seu favor a faculdade de celebrar "acordo", não raras vezes, pela metade, ou menos do que pagaria ao trabalhador no vencimento das respectivas parcelas.

Ora, quando o empregador deixa de proceder ao recolhimento dos encargos sociais (fiscais e previdenciários), como é o caso, e de efetuar o pagamento dos direitos obreiros, várias são as repercussões negativas. Afeta a receita da Seguridade Social, comprometendo a saúde, a previdência e a assistência social, como também a receita do imposto de renda, FGTS e, principalmente, causa danos relevantes à vida do trabalhador, que vão desde a sua sobrevivência quanto à de sua família, comprometendo a educação de seus filhos, a saúde, o lazer, direitos sagrados à pessoa humana e garantidos pela nossa Constituição. Tudo isso também afeta a sociedade, porque esse trabalhador desamparado vai se socorrer do Estado, que, além de ter ficado sem os recursos para as demais pessoas (princípio da solidariedade no custeio), vai ter que prestar assistência a mais um desamparado, e tudo por conta da desenfreada lucratividade do empregador.

Some-se a isso a vantagem indevida desses maus empregadores - leia-se, também, tomadores de serviços - perante a concorrência, o que, aliás, chega a desestimular os demais a cumprirem a legislação pertinente.

O próprio TST admite a possibilidade do dano moral coletivo, conforme se observa no aresto:RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO. DANO MORAL COLETIVO. REPARAÇÃO. POSSIBILIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA VISANDO OBRIGAÇÃO NEGATIVA. ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. RESCISÃO DE CONTRATO ATRAVÉS DE ACORDOS HOMOLOGADOS NA JUSTIÇA. LIDE SIMULADA. Resta delineado nos autos que a postura da empresa, em proceder ao desligamento dos empregados com mais de um ano de serviço, através de acordos homologados na justiça, atenta contra a dignidade da justiça. A ação civil pública buscou reverter o comportamento da empresa, na prática de lides simuladas, com o fim de prevenir lesão a direitos sociais indisponíveis dos trabalhadores. Incontroverso o uso da justiça do trabalho como órgão homologador de acordos, verifica-se lesão à ordem jurídica, a possibilitar a aplicação de multa em razão do dano já causado à coletividade. Houve o arbitramento de multa de R$1.000,00 por descumprimento das obrigações negativas determinadas na ação civil pública: abster-se de encaminhar os empregados à Justiça do Trabalho com a finalidade de obter homologação de rescisões do contrato de trabalho e de utilizar-se do judiciário trabalhista como órgão homologador das rescisões contratuais, sem real conflito entre as partes. Tal cominação não impede que o dano moral coletivo infligido em face da prática lesiva - homologação de acordos trabalhista, utilizando-se do aparato judiciário com fim fraudulento, seja reparado, com multa a ser revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, pelos danos decorrentes da conduta da empresa. Recurso de revista conhecido e provido, para restabelecer a r. sentença que condenou a empresa a pagar o valor de R$30.000,00 (trinta mil reais) a título de indenização a ser revertida ao FAT. (RR - 1156/2004-004-03-00.9, Data de Julgamento: 04/10/2006, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, Data de Publicação: DJ 01/11/2006.)

O tema também não é novidade para esta egrégia Corte, conforme se vê no julgamento do dia 04 de março de 2009:PROCESSO TRT - RO Nº 00180-2006-015-16-00-5. RELATOR: DES. LUIZ COSMO DA SILVA JÚNIOR. REVISOR: DES. JAMES MAGNO ARAÚJO FARIAS. RECORRENTE: SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM DO TRANSPORTE - SENAT E OUTRA. ADVOGADO: LARISSA ABDALLA BRITTO. RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. ORIGEM: 5ª VT DE SÃO LUIS/MA - JUIZ BRUNO DE CARVALHO MOTEJUNAS. DATA DO JULGAMENTO: 04 DE MARÇO DE 2009. EMENTA: DUMPING SOCIAL - INDENIZAÇÃO - O constante descumprimento da ordem jurídica trabalhista acaba atingindo uma grande quantidade de pessoas, disso se valendo o empregador para obter vantagem na concorrência econômica com outros empregadores, o que implica dano àqueles que cumprem a legislação. Essa prática traduz-se em dumping social, pois prejudica toda a sociedade e configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola os limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. O art. 404, parágrafo único, do Código Civil, dá guarida ao fundamento de punir o agressor contumaz com uma indenização suplementar, revertendo-se esta indenização a um fundo público.

Então, se constatada a prática reiterada de um ato por determinado empregador, o magistrado deve, sim, coibir tal conduta, condenando-o a uma indenização por dano social, arbitrada "ex officio", com base nos critérios da razoabilidade e proporcionalidade, levando, em conta, ainda, as circunstâncias do caso concreto, a exemplo da gravidade do dano e da capacidade econômica do ofensor, em favor do FAT, como fez a julgadora a quo, condenando a reclamada a uma indenização no valor de R$100.000,00, tendo em vista a prática de dano coletivo, caracterizado pela admissão de trabalhadores estrangeiros sem registro e anotação em CTPS, sem recolhimento de FGTS ou INSS, sem realização de exame médicos e sem elaborar e implementar PCMSO e PPRA, conforme previsto no art. 630, §§ 3º e 4º, da CLT, além de só admitir trabalhadores estrangeiros após prévia autorização do Ministério do Trabalho e Emprego.

Convém esclarecer, por fim, que, no caso, independe tratar-se de trabalhadores estrangeiros, já que nossa Constituição, no seu art. 5º, diz que brasileiros e estrangeiros são iguais perante a lei em direitos e deveres.

Em sendo assim, intocável a decisão de primeiro grau, nesse ponto.

A parte reclamada insurge-se, também, contra a aplicação da multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC no Processo do Trabalho, ao argumento de inexistir omissão na Consolidação das Leis do Trabalho na disciplina da matéria, apontando, para tanto, a norma inserta no art. 884 do diploma referido.

Importa esclarecer, a esse respeito, que a interpretação dominante sobre a colmatação de lacunas no direito processual do trabalho tem sido no sentido de que o permissivo celetista se volta para a lacuna normativa. Entretanto, nos dias atuais, essa análise deve ser feita à luz dos ditames da Jurisdição Contemporânea, que tem a Constituição Federal como norma suprema, repleta de valores e princípios fundamentais que oxigenam o direito infraconstitucional, orientando uma constante releitura e evolução do Direito. Nesse novo contexto, quando da aplicação da norma (qualquer que seja), o operador do Direito deve sempre conformar o regramento em apreço com os princípios constitucionais, fazendo uma leitura da sua constitucionalidade, para, só depois - se não afrontar a Norma Dirigente -, fazer a subsunção ao caso concreto, ou desprezá-la, caso seja incompatível com a diretriz constitucional.

Nesse sentido, impõe-se uma "interpretação evolutiva dos artigos 769 e 889 da CLT", de modo a permitir a aplicação subsidiária das alterações do CPC, que representam avanço para o processo do trabalho, não apenas na hipótese de lacuna normativa, mas também quando se estiver diante de uma lacuna axiológica ou ontológica. A multa, de dez por cento, prevista no art. 475-J do CPC, por exemplo, é perfeitamente aplicável ao processo do trabalho, e por disposição do art. 769 da CLT, vez que não há previsão de multa na CLT incentivando o reclamado a cumprir a decisão espontaneamente.

Esse, inclusive, foi o entendimento consagrado pelos juristas presentes à 1ª Jornada de Direito Material e Processual da justiça do Trabalho, no enunciado 71:ENUNCIADO 71. ARTIGO 475-J DO CPC. APLICAÇÃO NO PROCESSO DO TRABALHO. A aplicação subsidiária do artigo 475-J do CPC atende às garantias constitucionais da razoável duração do processo, efetividade e celeridade, tendo, portanto, pleno cabimento na execução trabalhista.

Cumpre ressaltar, por fim, que a jurisprudência trabalhista, há muito, vem se utilizando do "diálogo das fontes" CLT x CPC, mesmo existindo norma própria na seara processual trabalhista, como muito bem salientado pelo notável jurista Júlio Bebber [1], na sua obra Cumprimento da Sentença no Processo do Trabalho (pág. 21), em que se lança mão das regras do art. 475 do CPC no trato da remessa necessária, em detrimento do disposto no art. 1º, V, do Decreto-Lei n. 79/1969 (Súmula TST 303); bebe-se da norma 535 do CPC para disciplinar os embargos de declaração, quando há norma específica na CLT (art. 897-A), dentre outros, o que se coaduna com a finalidade do Projeto de Lei, já em tramitação no Congresso Nacional, sob o nº 7.152/2006, acrescendo um parágrafo no art. 769 da CLT, no sentido de autorizar a Justiça do Trabalho a utilizar as normas do direito processual comum quando sua aplicação tornar o desfecho da ação mais rápido do que a legislação processual trabalhista.

Em sendo assim e considerando que o moderno processo deve ser utilizado como instrumento voltado à realização da justiça - reclamando uma decisão desprovida de rigores formais e voltada para efetivar o direito substancial, a fim de que, ao final, seja entregue ao credor uma tutela efetivamente útil -, com fulcro nas modernas técnicas de interpretação do Direito (Novo Direito Constitucional), como mostrado em linhas anteriores, o juiz a quo agiu em acerto consignando a multa de 10% no comando sentencial para o caso de não cumprimento espontâneo da decisão. Improcedente o recurso também nesse particular.


A C Ó R D Ã O Por tais fundamentos,

ACORDAM os Desembargadores da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região, por unanimidade, conhecer do recurso e, no mérito, por maioria, negar-lhe provimento para manter a decisão de 1º grau.